Por Akrura Bogéa
-Kotakinabalu, Malaysia, 30.01.2020.
Quero lhes apresentar o nosso personagem, da história que se segue: Yerananda nasceu numa família um pouco diferente do convencional. Seus pais meditavam, eram vegetarianos, gostavam de música, especialmente de mantras e seguiam as orientações espirituais de um mestre da Índia. Seus pais tentaram lhe passar o que aprendiam no seu caminho espiritual… que todas as religiões devem ser respeitadas, que as pessoas todas, por mais estranhas que possam parecer, são buscadoras de uma conexão com o Ser, que este Ser está dentro de cada um de nós e que o nosso progresso espiritual ou elevação da nossa consciência é responsabilidade de cada um de nós e que não pode ser delegada. Ensinaram alguns mantras sagrados, orações, exercícios de concentração, respiração e técnicas de meditação. Levaram inclusive Yerananda à presença do Mestre deles, quando este ainda era uma criança.
O tempo foi passando, Yerananda foi crescendo, perspicaz, estudioso, inteligente. Percebeu que aquele caminho espiritual não atendia às suas expectativas e necessidades. Já nos primeiros dias da adolescência, descobriu os “prazeres” da vida. Então, Yerananda se sentiu livre para buscar e questionar as religiões vigentes, inclusive o caminho espiritual dos seus pais. Acreditava piamente que a religião era uma fraqueza da humanidade, e que essa fraqueza dava margens para manipulações através de interpretações das escrituras sagradas, por pessoas inescrupulosas e sedentas pelo poder econômico-financeiro. Via que as igrejas e templos “sagrados” proliferavam em todo lugar, cada vez mais aumentava a população que carregava suas respectivas bíblias debaixo do braço.
-Carregar a bíblia até eu, quero ver é praticar o que está escrito. Brincava Yerananda. As questões metafísicas, estavam sempre presentes, desde sempre. O jovem costumava se perguntar; se Deus criou o homem ou se o homem criou Deus? De onde viemos? Para onde iremos depois que morremos? A morte é o fim? O que veio antes a mente ou a matéria? E outras tantas indagações semelhantes difíceis de serem respondidas.
No início da sua adolescência, Yerananda começa a experimentar terríveis pesadelos e terrores noturnos, que o incomodaram por muito tempo. Sonhava com ondas gigantes querendo afogá-lo, (como se o seu inconsciente quisesse afogar o seu consciente), sonhava com terremotos sacudindo a terra, com guerras, aviões caindo, incêndios, tufões e outros tipos de catástrofes. Yerananda era um leitor voraz, sua curiosidade era insaciável. Estudou e graduou-se em economia, fez seu mestrado, seu doutorado, e começou a ganhar a vida como gerente de um dos maiores bancos privados do seu País. Yerananda foi escalado para administrar o patrimônio dos proprietários da grande instituição. Impressionava-se com o montante e com a facilidade para multiplicar tal patrimônio. Quase que em progressão geométrica, o jovem gerente tinha informações privilegiadas e não podia trabalhar para outras instituições financeiras, almoçava com diretorias do Banco Central, não tinha horário a cumprir e ganhava 18 salários invejáveis por ano. Aparentemente sua vida estava ganha, tirava 45 dias de férias por ano a seu bel prazer, fora as emendas de feriados, viajava quando queria e morava num excelente hotel, perto da instituição financeira onde trabalhava. Nessa época bebia álcool em excesso, e tinha muitos “amigos”. Dá para entender que a espiritualidade era a última coisa a ser considerada nessa fase?
O afogamento ou o primeiro chamado.
Em 04 de dezembro de 1981, foi a comemoração do aniversário de 27 anos de Yerananda. Depois de oferecer uma grande festa aos amigos, com muito álcool e outras drogas proibidas, Yerananda resolve ficar um pouco sozinho, escolhendo uma praia deserta e paradisíaca, para fazer um balanço de sua vida. Pensa nos seus bens…seu carro conversível, sua moto potente, imóvel quitado, seu saldo em conta-corrente, investimentos, suas conquistas materiais, suas viagens…sorri e se sente um vencedor?
-Não. Sente um vazio e uma pergunta que não quer calar. E daí? -Muito esforço! Mas valeu a pena? -Não. Conclui Yerananda observando o mar que, como se diz, não estava para peixe. Muito bravo, com ondas gigantes, em ressaca total. Nosso personagem era um exímio nadador, nasceu num lugar sossegado, banhado por dois rios, tocantins e itacaiunas, com várias travessias de ambos no seu currículo.
-Por que não? Pensou Yerananda. Entrou no mar, e sentiu até uma certa facilidade, o mar revolto parecia convidá-lo a entrar mais e mais, dia perfeito, banho perfeito. Satisfeito, Yerananda resolve sair do mar, as margens parecem distantes, e o mar não lhe oferece facilidades, nem condições para sair, as ondas começam a aumentar de tamanho e quebram como se fosse um prédio em demolição na cabeça de Yerananda. Quando as ondas caem sobre ele, ele perde a noção total de direção, e tenta buscar a claridade como única estratégia de sobrevivência, luta como um bravo guerreiro contra aquele mar que quer matá-lo, Yerananda tem quase certeza de que não sairá do mar vivo. As suas forças e resistência, se esgotam completamente, o trapézio absurdamente duro, tenso e os braços sem força nenhuma. Yerananda não tem a quem recorrer, é ateu convicto e não acredita em nada, se entrega à morte, passa um filme de sua vida insignificante, e ali ele tem certeza que é o fim da linha, o fim do jogo. Vê uma luz azul clara e brilhante tomando conta de tudo, começa até a sentir um certo prazer, diante da luz. Experimenta uma sensação de paz, constata que morrer não é tão ruim quanto ele pensava. Nesse exato momento de sua passagem iminente, vem uma onda gigante e o transporta na sua crista até a praia, a uns dois metros depois da margem, o jovem ofega, vomita muita água, ingerida durante o afogamento. E faz a sua primeira pergunta significativa:
-Por que estou querendo me matar? Senta-se com dificuldade, seu calção está cheio de areia, então Yerananda percebe, que de fato entrar naquele mar diante dele foi um projeto suicida. Fracassou, não foi bem-sucedido.
A busca
A partir do afogamento Yerananda dá uma guinada na sua vida, não tem dúvidas, está disposto a investir no seu autoconhecimento, na sua busca interior, só não sabe ainda por onde começar. Olhava em volta e não via nenhum caminho espiritual, com o qual simpatizasse. Talvez uma terapia, fazer Yoga, possa ser um começo. Pensou.
Volto a sinalizar que era muito difícil para ele compreender a necessidade das pessoas de terem uma religião, que apontava para um Deus mais que assoberbado, já que todos lhe pediam tudo. Saúde, alegria, felicidade, fortuna, casamento, filhos e principalmente uma infinidade de futilidades, estas últimas principalmente. Yerananda leu no trecho de um livro que de certa maneira reforçava a sua desconfiança: “No mundo sacerdotal, os pastores de ovelhas não passavam de pessoas comuns, que saciam-se com as letras (ou com o sentido exterior, superficial) das sagradas escrituras, e não podendo preencher o seu verdadeiro sentido interior, acham grande deleite em controvérsias técnicas a respeito dos textos, em definições obtusas e interpretações rasas.”
Dizia ainda “que os corações desses pastores de ovelhas, estavam cheios de desejos e esperanças pessoais; o mais alto ideal desses homens é alcançar um céu onde encontram todos os objetos de seus prazeres, a satisfação dos seus sensualismos sem nunca sequer tentar uma elevação à altura de onde é possível perceber a união de todos os seres. Usam palavras floreadas, inventam várias cerimônias e nunca esquecem de prometer os prêmios que serão conquistados por aqueles que observam seus ensinamentos e contribuições financeiras. Claro que para aqueles que discordam deles, só lhes resta um inferno monstruoso e assustador.” Yerananda ainda se dizia ateu, mas agora, de alguma maneira, sentia a necessidade de uma busca espiritual. Ainda de uma maneira solitária e a seu próprio modo, acreditando que as coisas não estavam desconectadas como muitos acreditavam. A onda que lhe salvou do afogamento, causou um grande impacto nessas mudanças.
Primeira noite do despertar de Yerananda
Certa noite, para variar, Yerananda teve um sonho diferente dos pesadelos costumeiros. O seu sonho parecia muito real. Sonhou que estava dentro de uma caverna cheia de cristais e ao seu lado estava uma pessoa que o físico e a aparência eram exatamente igual a ele, uma réplica, só que mais pura e mais luminosa. Este sábio o guiava através do seu belo sonho, respondendo às suas indagações. Yerananda fica encantado com a caverna de cristais! Ele podia tocá-los, já que os cristais estavam ao alcance de suas mãos. Tocou de leve num dos cristais e imediatamente se viu num campo de batalhas sangrenta bem no meio do exército espartano, era um soldado comum, sem fama e sem patentes. Tirou a mão do cristal muito assustado e perguntou à sua réplica;
-O que foi isso? O que aconteceu comigo?
A réplica pacientemente lhe explica que cada cristal daqueles registra uma das vidas pregressas de Yerananda. Só que a caverna em questão tem milhares de cristais!
-Espere, você quer dizer que cada cristal desses registra uma encarnação minha? Indagou Yerananda , rindo e incrédulo.
-Sim. Concorda a réplica luminosa. Essa é uma espécie de caverna de memórias de suas vidas passadas e como você bem pode ver, são milhares de vidas. Todo e cada ser humano tem a sua caverna de cristais de memórias. Sorriu a réplica.
-Não entendo… para que tantas vidas? Uma só já não é o suficiente? Pergunta-se Yerananda atônito.
-Às vezes sim, às vezes não. A vida promove relações, atritos, encontros, desencontros, desejos, realizações, frustrações, muito mais frustrações que realizações e uma infinidade de experiências. Tudo o que fica pendente ou em aberto, gera um karma para a vida seguinte. O que você chama de vida, é um breve espaço de tempo que é relativo, em que a alma reside num determinado corpo, para experimentar as coisas terrenas. Depois a alma precisa respirar, descansar, já que as experiências terrenas são muito intensas e geram muitos apegos. A alma mesmo, a rigor, tem apenas uma vida, sem início e sem fim. Disse a réplica.
Yerananda era um pensador nato. Precisava usar as suas ferramentas para elaborar isso que acabara de ouvir. Passado algum tempo Yerananda resolveu tocar em outro cristal. Desta vez se viu montado em um cavalo negro, numa paisagem europeia, com vários amigos, numa caçada ofegante, seu cavalo em disparada, resfolegava, tropeçava e saltava os obstáculos que apareciam à sua frente. Os cães corriam em alta velocidade com as suas línguas para fora, perseguindo um javali, que fugia como podia. Aquilo era tão real, ficou tão intenso e insuportável, que Yerananda afasta a sua mão do cristal e leva um certo tempo para acalmar a sua respiração e os seus batimentos cardíacos.
-Uau! Tive outra experiência. Diz Yerananda transtornado.
-Eu sei, diz a réplica rindo… Providenciando o seu almoço? Caçando num campo europeu, com seus amigos aristocratas não é mesmo? Perseguindo um javali?
Como é que você sabe disso? Interrompe Yerananda. Quer dizer que você viu tudo o que aconteceu enquanto eu segurei o cristal?
-Mais que isso! Não só vi, como vivi cada experiência de cada cristal desses com você. Disse a réplica. Eu sou a sua cópia fiel, que fica do outro lado do véu, todo esse tempo tento chamar a sua atenção, buscando um contato com você.
-Ei… Isso que você está dizendo é muito sério… me causa desconforto, na verdade me assusta… que paciência… você não tem mais o que fazer não? Indaga Yerananda rindo.
-Responda você! Devolve a réplica.
O jovem Yerananda põe-se a refletir novamente, supondo que aquele ser é o que as pessoas religiosas chamam de anjo da guarda, embora sem asas, ou uma espécie de guarda-costas, que te acompanha e supostamente te protege, onde quer que você vá… Yerananda não faz ideia do que é a verdade.
-Meu querido sósia!… e essa história da alma, sem início, sem meio e sem fim, que você mencionou anteriormente, como funciona? Onde ela está agora? Já que não sinto à sua presença e nem ela faz qualquer contato comigo? Quer saber Yerananda.
-Bem, alma sem meio é por sua conta, eu disse sem início e sem fim ou sem nascimento e sem morte se você preferir.
-Isso é uma pergunta difícil, uma história mais longa, diz o ser luminoso, sorrindo. Não posso falar sobre isso agora, já que o seu despertador vai tocar. Ao despertar, sugiro que você prometa a si mesmo, que será a melhor pessoa nesse dia que se inicia, e que terá o melhor dia da sua vida. Antes de dormir hoje a noite, peça simplesmente para sonhar comigo, se assim o desejar. E continuaremos nossa viagem no mundo interior e onírico. Orientou a réplica luminosa sorrindo.
Toca o despertador, Yerananda percebe que tivera um sonho, um sonho significativo, espiritual, tão real, que ele demora a levantar, mais que de costume.
-Já é alguma coisa. Pensa e pensa no sonho, no seu significado, no que ele pode acrescentar, lembra-se da sugestão do ser luminoso, promete que vai tentar ser a melhor pessoa possível nesse dia que se inicia e que esse será o melhor dia de sua vida. Levanta sentindo-se diferente, renovado, cheio de energia, sente-se muito bem, alegre, com uma felicidade genuína, que aflora do âmago do seu coração e com a mente totalmente pilhada, quase pode sentir as novas conexões sinápticas em tempo real, bem diferente do que quando fora dormir na noite anterior, embora muito mais reflexivo. Yerananda percebeu que aquele dia foi singular, diferenciado, muito especial, uma vez que ele se sentia em conexão com a réplica luminosa com que sonhara na noite anterior e não via a hora de encontrá-la novamente na próxima noite, torcendo para que houvesse uma continuidade no próximo sonho. -Seria isso possível? Duvidava o jovem gerente, que naquele dia nem pensou em trabalhar e ali estava decidido a pedir demissão assim que possível, da grande casa bancária onde trabalhava.
A alma adormecida de Yerananda (2a noite)
Yerananda faz o pedido para sonhar com a sua réplica, conforme orientado na noite anterior. Mal pega no sono, se vê numa trilha no alto de uma montanha. A paisagem é incomum, com um céu bem azul e luminoso, muitos pássaros chilreando, uma infinidade de borboletas azuis, libélulas, o jovem observa os pequenos regatos que escorrem sem pressa entre as árvores da floresta, segue numa trilha com as bordas decoradas por flores exóticas quando não mais que de repente, Yerananda se vê na entrada de uma caverna de cal. Tudo em volta era branco, com algumas partículas de cal flutuando no ar. Viu sua réplica luminosa esperando e não conseguiu disfarçar a felicidade que sentia.
-Então, qual vai ser a viagem de hoje? Pergunta Yerananda.
-A viagem de hoje será a continuação da viagem de ontem. Diz a réplica.
-Você me perguntou sobre a sua alma, lembra? -Sim. confirma Yerananda.
A sua réplica, o segura firme pela mão, levando-o para o fundo da caverna, onde se encontrava mais uma réplica de Yerananda, toda coberta de cal.
-Ei! Mas o que é isso? Mais um de nós? Uma estátua de cal? Quer saber Yerananda, atônito.
-Quero lhe apresentar a sua alma, diz a réplica, apontando para a estátua inerte. Sim, ela é e não é mais um de nós. Sorriu a réplica luminosa.
-Como assim? Minha alma é só uma escultura de cal? Por essa eu não esperava! Não me leve a mal, mas achei que ela seria uma partícula de Deus, um piloto interior, uma imortal com os atributos de Deus, onipresença, onipotência, onisciência, essas coisas. E agora é isso? Decepciona-se Yerananda.
-Vê-se que você não é tão ateu assim. Disse a réplica rindo. A alma humana é tudo isso que você falou com os atributos divinos e muito mais! Complementou. Proponho que você a desperte. Ela está dormindo e inativa, já que há muito tempo você não dá a mínima para ela. A alma se alimenta de orações, mantras, meditações, bons pensamentos, boas ações, serviço desinteressado e conexões, principalmente.
-Todos pratos raros! Brinca o jovem para descontrair-se.
Eis aí um sábio adormecido. Continua a réplica luminosa. Mesmo adormecido e supostamente inativo, ainda assim, sabe o que se passa no mundo exterior onde o ser humano fica a maior parte do tempo e sabe tudo sobre o mundo interior, que é o mundo espiritual. Esse é o seu melhor instrumento de conexão, o seu sábio, seu mestre, seu guru e seu piloto interior. Me despeço, já que você não vai mais precisar de mim, por enquanto. Quando você despertar a sua alma, voltarei através da sua percepção. Desperte sua alma e você terá tudo ao seu alcance, inclusive a mim.
-Espere, não faça isso! Como assim? Você não pode ir embora assim. Desespera-se Yerananda. Você propõe que eu desperte a minha estátua de cal, quer dizer, a minha alma, mas eu não faço ideia de como fazer isso. Choraminga Yerananda, já sentindo falta da presença de sua réplica, a qual se apegara.
-É muito fácil e ao mesmo tempo muito difícil, e sim, você sabe como despertá-la. Talvez você tenha esquecido. Gostaria muito de poder ajudá-lo mais. Mas não posso. Isso é um caminho solitário, uma experiência que pertence só a você. Acho que ninguém poderá ajudá-lo. Vim até você para promover esse encontro entre você e a sua alma, minha missão está cumprida. Despertá-la, cabe a você. Como já disse anteriormente, você sabe como fazê-lo, pois essa é a sua meta, a missão de vida de todos os seres humanos e por muitos esquecida. Você saberá quando ela estiver desperta, sentirá a nossa presença, eu sou aquele que não vai a nenhum lugar e que está em todos os lugares ao mesmo tempo. Quando você desperta sua alma, é impossível questionar sobre a sua existência. Dito isso, a réplica luminosa de Yerananda desaparece.
Yerananda sente-se só, desamparado, esquecido e abandonado, como jamais se sentira, ali diante da escultura de cal, que supostamente era a sua alma adormecida.
-E agora? -perguntava-se sem nenhum vestígio de resposta.
Yerananda sai da caverna e revê a linda paisagem em volta, e percebeu nuances e detalhes que não percebera, quando andou em direção a caverna. O despertador toca.
Ele sentiu-se diferente, com o peso de uma terrível pendência, que era despertar a sua alma. Lembrou do que a réplica lhe dissera no seu sonho sobre karma e entendeu ali que essa pendência iria trazê-lo de volta à vida, tantas e quantas vezes fosse necessário, até que a sua alma despertasse.
Decide ir até a instituição financeira, onde até pouco tempo apreciava trabalhar e formaliza o seu pedido de demissão. Agora nada daquilo fazia sentido na sua vida. O banco lhe oferece mais dinheiro, melhores condições, pede para ele pensar por mais um tempo, mas Yerananda estava decidido. Aquele tipo de trabalho não fazia mais sentido. Ele tinha vislumbrado a ponta do Iceberg do mundo interior, estava encantado e não queria abrir mão da sua busca.
3a. noite Yerananda tenta orar, recitar poemas e mantras espirituais.
Yerananda repetiu todo o ritual antes de dormir, para voltar à caverna onde se encontrava a sua alma coberta de cal. Viu-se numa praia paradisíaca e deserta, o mar parecia uma lagoa, calma, tranquila e as gaivotas flutuavam. Bem diferente do mar que quase o afogara. Caminhou tranquilo na certeza de que encontraria o que estava buscando. Não demorou muito e Yerananda avistou a caverna, entrou, e lá estava a sua alma, coberta de cal. O jovem olhou fixamente para a sua alma inerte, lembrou dos seus pais e das ”esquisitices”, tipo, cantar o Gayatri mantra até a exaustão. Será que isso despertaria a sua alma? Orar, recitar poemas espirituais, respirar profundo, meditar, correr, era isso que os pais de Yerananda faziam e pareciam tranquilos. -Vamos ás práticas, tenta lembrar de alguma oração sem sucesso, respira lento profundo e tenta lembrar de algum mantra, lhe vem á cabeça um mantra que os Hare Krishna entoavam no centro da cidade, entre danças, venda de livros e incensos.
-Hare Krishna, Hare Krishna
Krishna, Krishna, Hare, Hare
Hare Rama, Hare Rama
Rama, Rama, Hare, Hare…
Repetiu e repetiu à exaustão, único mantra que conseguiu lembrar.
Nesse ponto, Yerananda percebe que uma parte do pó escorregava da estátua para o chão.
-Espere, se está funcionando, vou tentar o Gayatri mantra, desse acho que me lembro:
Aum bhur bhuvah svah
Tat sa vitur varenyam
Bhargo…deva…beva…leva..hummmm…Yerananda esqueceu a segunda parte do mantra, porém ele percebe que a sua alma apreciou, já que escorreu mais cal do corpo da estátua para o chão da caverna. O jovem respira lento e profundo, tentando acalmar a sua euforia, que era grande. Teria ele encontrado o caminho do despertar da sua alma? Concentrou-se um pouco, tentou uma meditação ainda que incipiente, e quando abriu os olhos, viu que sua alma estava mais limpa. Viu que por baixo do cal havia alguns pontos de luz dourada, que emanavam do corpo da estátua. Yerananda abriu um sorriso de satisfação, e diz para si mesmo:
-Acho que estou no caminho certo. O despertador toca e Yerananda acorda.
Senta-se em silêncio na sua cama, fica meditando por vinte minutos aproximadamente, pega seu caderno de anotações e escreve alguns haikais e aforismos.
Reencarnação
Nos dá uma nova chance
Para a evolução.
Não preciso morrer
Para ter acesso à evolução espiritual.
O medo cria hipocondríacos
Que morrem de medo de adoecerem
Mesmo já estando doentes.
Conhecer-se não está a alcance de todos
Exige muito amor treinamento e dedicação
O ser humano é um planeta
Que tem uma parte formada por luz
E outra parte por sombras.
Para conhecer-se devemos observar a conduta dos outros. Para conhecer os demais devemos olhar para o nosso próprio coração.
Vivemos igual a um peixe
Que nada sabe sobre a água
Onde nada por toda a sua vida.
Nada sabemos sobre a alma
Que hospedamos no nosso corpo a vida toda.
A sabedoria ignora respostas
E aprecia as perguntas.
O cérebro é uma ferramenta de sobrevivência
A memória é a inteligência dos estúpidos.
Jogue no chão seu passado
Expectativas de futuro
Descarte suas respostas
Viaje leve, vazio, para que algo significativo
O preencha completamente.
A eternidade não vive no passado
Jamais chega no futuro
Ela cabe inteiramente no presente.
-Hoje tenho que me preparar para logo mais à noite. Propõe-se Yerananda, vai atrás do Gayatri Mantra e o entoa por centenas de vezes. lê um bom livro sobre técnicas de meditação. Vai para as obrigações do seu dia a dia e ao cair da noite, Yerananda vai dormir cedo e bem mais preparado para despertar a sua alma do que na noite anterior.
O despertar da alma de Yerananda (4a. noite)
Yerananda, sonha que está numa linda gruta, com os cristais Karmicos incrustados, um regato cristalino, e sua alma, meio luminosa e meio encoberta por um cal remanescente. Yerananda tenta lavar a estátua e nada acontece. A água não molha a camada de cal remanescente na estátua. “A alma não molha, não queima, não morre.” Lembrou de ter lido isso em algum lugar. Yerananda, conecta-se repentinamente, com as práticas da noite anterior que deram algum resultado. Senta-se diante da estátua, que permanecia coberta pelo cal, com mais pontos luminosos, de onde o cal tinha se desprendido. fecha os olhos e entoa o Gayatri mantra dos Upanishads por 108 vezes:
Aum bhur bhu vah suah
Nós meditamos na glória transcendental
Tat as vitur varenyam
No deleite Supremo que está dentro do coração
Bhargo devasya dhimahi
Da terra, do céu e dentro da alma do paraíso
Dhiyo nah praco dayat.
Que ela possa estimular e iluminar as nossas mentes.
Yerananda respira lento e profundo, por algum tempo, mergulha na meditação, sem medo de ser feliz. Quando volta a si, está num estado de consciência elevado e alteradíssimo. Abre os olhos e percebe que em volta tudo está perfeito. Sai da caverna, com a mente vazia, relaxado e o coração em paz, paz genuína. As cores estão mais nítidas, tudo tão harmônico, tão pacífico, os pássaros parecem mais felizes, seus cantos mais bonitos, milhares de flores com cores mais vibrantes, o ar parece muito mais puro, uma experiência única, como jamais antes experimentara.
-A estátua! Não me lembro de tê-la visto quando voltei da meditação, constata Yerananda, -cadê ela? Levanta-se procurando, e nada. Procura e procura em todos os lugares possíveis e nada. Só faltava essa, eu perder a minha alma depois de tudo isso.
-Onde está você? Grita Yerananda, entra e sai da caverna procurando manter o controle, não poderia perdê-la novamente, logo agora que a encontrara, ainda que coberta de cal. Ele a queria muito de volta.
-Você está procurando por mim no lugar errado. Ouviu Yerananda, a voz suave e melódica que lhe era familiar, a voz da sua réplica luminosa, que havia prometido retornar, quando ele despertasse sua alma… ele não tinha dúvidas.
-O que? Estou procurando no lugar errado? Pois então me mostre o lugar certo para encontrá-la. O jovem fica mais tranquilo, começa a entender que aquilo é um jogo de esconde-esconde e por enquanto sua alma está levando a melhor. Já o encontrou e ele não faz a menor ideia de onde ela está.
-Volte para a caverna! Propõe a voz que vinha do seu interior….
Yerananda volta para a caverna e a voz interior pede para que ele se sente, acalme a respiração, feche os olhos e se interiorize. Yerananda fica maravilhado com o que vê! Ali diante de sua presença, a sua presença, sua alma completamente limpa, toda dourada, um dourado mais intenso que o do ouro! Yerananda quer que tudo pare naquele momento em que ele vê a sua alma desperta. O melhor de tudo é que a sua alma ali presente, é simplesmente a sua réplica luminosa que disse que voltaria quando a alma despertasse. Numa versão tão perfeita, que é impossível descrever.
-Agora já não precisamos de intermediários. Sou a sua alma desperta, e quando desperto entramos em unicidade perene, sem chave para ligar e desligar a conexão. Estamos conectados para sempre! Agora nós somos um. Diz sua alma sorrindo.
Yerananda, não sabe o que dizer, mas sabe muito bem o que está sentindo, sua mente fica em silêncio, como se não existisse. O seu corpo ele também não sente, não há mente e não há corpo, que leveza, que sutileza. A natureza dança diante do jovem, tudo ali é novidade, é deleite ininterrupto e definitivo. O conhecedor e o conhecido se conectam, são uma coisa só. Yerananda nunca sentiu tamanho repouso, ele e o uno se encaram. Não há mais caminho a seguir, também não há mais meta, tudo está claro, os véus dos mistérios se abrem, como as cortinas das janelas. O caminho, a alma e Deus, uma coisa só, a ilusão de separação se dilui, se dissolve. Tudo é revelado, Yerananda se torna o sábio, o saber, a sabedoria. Sem visar os frutos de suas ações, Yerananda só quer servir à humanidade, manifestar, compartilhar esse eterno momento com o universo.
O ABSOLUTO
(Sri Chinmoy)
Nem mente, nem forma, Eu apenas existo;
Cessaram agora toda vontade e pensamento.
O último fim da dança da natureza;
Eu sou Aquele por quem busquei.
Um reino de deleite descoberto, definitivo,
Além de ambos, conhecedor e conhecido.
De um descanso imenso desfruto enfim;
Apenas o uno encaro.
Cruzei os secretos caminhos da vida;
Tornei-me a Meta.
A verdade imutável está revelada;
Sou o caminho, a Alma-Deus.
Meu espírito sabedor de todas as alturas,
Estou em silêncio no âmago do sol.
Nada barganho com o tempo ou com as ações;
Meu jogo cósmico está concluído.
O despertador humano toca e desperta Yerananda do seu sonho paradisíaco, antes do seu despertar definitivo.
Minha alma? Você está aí? Pergunta Yerananda, como se não estivesse sentindo a sua presença.
-Sim. Você me despertou! Responde a alma de Yerananda rindo e entusiasmada.
-Estranho! Você respondeu, como se eu mesmo estivesse respondendo. Constata Yerananda.
-Sim. Estamos conectados. Ambos respondem rindo muito da situação de unicidade inusitada.
-É verdade que você sabe de tudo que se passa comigo? Indaga Yerananda.
-Sim. Confirma a alma.
-E no universo também?
Sim. Confirma a alma. Sei até mesmo onde você está querendo chegar. Acredite agora somos capazes de responder a toda e qualquer pergunta, todas as perguntas e respostas doravante são facílimas. Temos livre acesso às nossas memórias. E nossas memórias são mais vastas que qualquer outra memória que você imaginou previamente.
Yerananda desde sempre quis saber se existem outros planetas habitados por seres semelhantes aos seres humanos, extra terrestres ou coisa parecida. No momento em que Yerananda se abriu para esse questionamento, sua mente recebeu uma carga de luz dourada poderosíssima, entrou em êxtase total, seus olhos reviraram-se, seu corpo ficou completamente relaxado e ele percebe que seu cérebro mudou de patamar, foi para 15% da capacidade total. Sente-se conectado com tudo e com todos, ele sempre acreditou nessa possibilidade, agora era real. Percebe a seiva fluindo nas artérias das árvores, as raízes fazendo sinapses debaixo da terra, o espaço que antes parecia vazio agora está tomado por pequenos pontos de luz que se comunicam através de uma rede infinita, que conecta tudo e a todos. Yerananda vai viajando nessa rede, visita várias estrelas que antes pareciam indiferentes ao sofrimento humano, agora Yerananda pode ver claramente tudo inseparavelmente conectado. Vários sistemas solares semelhantes ao nosso, e não encontra nenhum vestígio de habitantes fora da terra.
Quando Yerananda volta da longa viagem, percebe que os ponteiros do seu velho marcador de tempo não se mexeu, enquanto viaja.
-Uau! Que incrível!
Yerananda está experimentando uma felicidade diferenciada, um deleite nunca experimentado e a sua curiosidade satisfeita. Devemos todos cuidar do nosso jardim do éden, a Terra. Sim. Existem seres habitando outros planetas, com inteligência elevadíssima. E eles estão entre nós. Para chegarmos até aqui, passamos por muitos milênios, por muitas formas, por muitas guerras internas e externas. Os nossos irmãos minerais, vegetais, animais, humanos e divinos. Todos contribuindo divinamente com a nossa evolução, com a nossa elevação de consciência. Todos com as suas singularidades; as rochas, os seixos, as árvores, as ervas, os peixes, as aves, os seres humanos todos. Sim! Todos tem uma alma adormecida dentro de si. Eu disse todos os negros, os índios, os anões, os orientais, os ocidentais. Cada partícula por menor ou maior que seja tem uma alma que as habita. Viemos todos de outras galáxias distantes em busca da matéria como a conhecemos. O céu, o paraíso que uns tanto buscam e outros tantos prometem: É aqui. Era aqui. Poderá ser aqui. Só depende de nós.
A partir desse dia Yeranada se tornou uma pessoa iluminada, que leva a sua luz onde vai e no que quer que faça. É requisitado para dar palestras ao redor do mundo, e todos se transformam com a presença de Yerananda, sim com a sua presença já que ele não fala desde que despertou a sua própria alma.
Agora mesmo, acabei de assistir a uma dessas palestras, aqui em Varna na Bulgária. Yerananda acaba de abrir para perguntas, que são todas respondidas no mais profundo silêncio.
Fim.