textos de Sri Chinmoy, em particular do livro Meditação, da editora Pensamento
Sua mente é
A flecha de concentração
Seu coração é
O arco de meditação.
Sua alma é
O alvo de contemplação.
– Sri Chinmoy, Ten Thousand Flower-Flames, Part 63, Agni Press, 1983, tradução
O arco e a flecha
A concentração é a flecha. A meditação é o arco.
Ao nos concentrarmos, focalizamos todas as nossas energias em algum assunto ou objeto com a intenção de desvendar os seus mistérios. Quando meditamos, nos erguemos de nossa consciência limitada para uma consciência mais elevada, em que a vastidão do silêncio reina suprema.
A concentração quer dominar o conhecimento que ela busca. A meditação quer se identificar com o conhecimento que ela procura.
A concentração não deixa que a perturbação – o gatuno – entre no seu arsenal. A meditação deixa que ela entre. Para quê? Apenas para pegar o ladrão em flagrante.
A concentração é a comandante que ordena que a consciência dispersa fique atenta.
A concentração e a total persistência não só são guerreiras divinas inseparáveis, mas também interdependentes.
A concentração desafia o inimigo para um duelo e luta contra ele. A meditação, com seu sorriso silencioso, abranda o desafio do inimigo.
A concentração diz para Deus: “Pai, estou indo a ti”. A meditação diz para Deus: “Pai, venha até mim”.
Um aspirante tem duas mestras legítimas: a concentração e a meditação. A concentração é rígida com o aluno. A meditação é rígida às vezes. Mas ambas são enfaticamente interessadas no progresso do estudante.
O poder da concentração
Concentração significa vigilância e atenção interior. Há ladrões à nossa volta e dentro de nós. Medo, dúvida, preocupação e ansiedade são ladrões interiores que estão tentando roubar o nosso equilíbrio interior e a nossa paz de espírito. Quando aprendemos a nos concentrar, é muito difícil para essas forças entrarem em nós. Se a dúvida entrar na nossa mente, o poder da concentração vai dilacerá-la. Se o medo entrar na nossa mente, o poder da concentração vai expulsá-lo. Hoje, somos vítimas de pensamentos sombrios, obscuros, destrutivos. Todavia, chegará um dia em que, com a força de nossa concentração, os pensamentos perturbadores terão medo de nós.
A concentração é a vontade dinâmica da mente que opera na nossa existência para que aceitemos a luz e rejeitemos a escuridão. É como se fosse uma guerreira divina dentro de nós. O que a concentração pode fazer na nossa vida de aspiração é inimaginável. Ela pode facilmente separar o inferno do Paraíso, para que possamos viver no constante deleite do céu, e não nas preocupações, ansiedades e torturas perpétuas do inferno, enquanto estamos aqui na Terra.
A concentração é a maneira mais segura de alcançar o nosso objetivo, seja ele a compreensão de Deus ou a mera satisfação de nossos desejos mundanos. Um aspirante verdadeiro, mais cedo ou mais tarde, vai obter o poder da concentração, seja pela graça de Deus, pela prática constante ou pela própria aspiração.
A vontade indomável da alma
Ao nos concentrarmos, somos como um projétil entrando em algo, ou como um ímã atraindo o objeto de concentração para a nossa direção. Nessa hora, não deixamos que nenhum pensamento entre na nossa mente, seja ele divino ou não-divino, mundano ou celestial, bom ou ruim. Na concentração, a mente inteira precisa estar focalizada num objeto ou assunto específico. Se estivermos nos concentrando na pétala de uma flor, devemos tentar sentir que nada mais existe no mundo, mas apenas a pétala. Não olhamos nem para frente nem para baixo, para cima ou para dentro. Procuramos apenas assimilar o objeto com a nossa concentração unidirecionada. Essa não é uma maneira agressiva de entrar em alguma coisa. Essa concentração vem diretamente da vontade indomável da alma, ou da força de vontade.
Quando quiser praticar a concentração em algum objeto, você deve escolher algo que transmita alegria imediatamente. Se você tiver um Mestre, o retrato dele dará alegria imediata. Se não tem um Mestre, escolha algo que seja muito belo, divino e puro, como uma flor, por exemplo.
Nós nos concentramos com o unidirecionamento da mente iluminadora. Nós meditamos com a vastidão expansiva do coração. Nós contemplamos com a unicidade plena da alma.
Concentração a partir do coração
Muitas vezes, ouço aspirantes dizerem que não conseguem se concentrar por mais do que cinco minutos. Depois de cinco minutos, eles ficam com dor de cabeça ou sentem que a própria cabeça está pegando fogo. Por quê? Porque o poder da concentração deles está vindo da mente intelectual ou – podemos dizer – da mente disciplinada. A mente sabe que não deve vagar por aí. Ela tem esse conhecimento. No entanto, se for usada de uma maneira apropriada, iluminada, então a luz da alma terá de ir até ela. Quando a luz da alma entra na mente, é muito fácil se concentrar em alguma coisa por horas. Durante esse período, não haverá pensamentos, dúvidas nem medos. Nenhuma força negativa poderá entrar na mente se ela estiver inundada com a luz da alma.
Ao nos concentrarmos, precisaremos sentir que o nosso poder de concentração está vindo do centro do coração e então subindo até o terceiro olho. O centro do coração está localizado no mesmo lugar em que a alma está. Quando pensarmos na alma nesse momento, é melhor não formar nenhuma idéia específica sobre ela e nem tentar imaginar a forma que ela tem. Apenas pensaremos que ela é uma representante de Deus ou luz e deleite ilimitados. Ao nos concentrarmos, tentaremos sentir que a luz da alma está vindo do coração e passando pelo terceiro olho. Com essa luz, entraremos no objeto da concentração e nos identificaremos com ele. O estágio final da concentração é descobrir a Verdade escondida, última, no objeto que está sendo focalizado.
Vislumbrando o infinito: meditação
Quando nos concentramos, focalizamos a nossa atenção em algo especial. Entretanto, ao meditarmos, sentimos que temos uma profunda capacidade de ver, lidar e saudar diversas coisas ao mesmo tempo. Quando meditamos, tentamos nos expandir, como um pássaro que abre as asas. Procuramos expandir a nossa consciência finita e entrar na Consciência Universal, em que não há medo, inveja ou dúvida, mas somente alegria, paz e poder divino.
Meditação significa o nosso crescimento consciente no Infinito. Ao meditarmos, o que fazemos, na verdade, é entrar numa mente vazia, calma, silenciosa e permitir que sejamos alimentados e sustentados pela própria Infinidade. Ao meditarmos, queremos comungar apenas com Deus. Agora estou falando em português e você consegue me entender porque sabe bem português. De modo semelhante, quando sabemos como meditar bem, somos capazes de conversar com Deus, porque a meditação é a linguagem que usamos para falar com ele.
Um mar de tranqüilidade
Meditar é como ir ao fundo do oceano, onde tudo é calmo e tranqüilo. Na superfície, pode haver muitas ondas. No entanto, mais abaixo, o mar não é afetado por elas. Em suas profundezas mais profundas, o mar é totalmente silencioso. Quando começamos a meditar, tentamos atingir a nossa própria existência interior, a nossa verdadeira existência – ou seja, o fundo do mar. Então, quando vêm as ondas do mundo exterior, não somos afetados. Medo, dúvida, preocupação e toda a agitação mundana simplesmente irão embora, porque dentro de nós existe uma paz sólida. Os pensamentos não podem nos atormentar, porque a nossa mente é toda paz, toda silêncio, toda unicidade. Assim como peixes no oceano, eles pulam e nadam, mas não deixam marcas. Portanto, ao estarmos no nosso estado meditativo mais elevado, sentimos que estamos no mar, e que os animais marítimos não podem nos afetar. Sentimos que somos o céu, e que os pássaros não podem nos afetar. Nossa mente é o céu e nosso coração é o mar infinito. Isso é meditação.
Transformando-se na verdade: contemplação
Por meio da concentração, nos tornamos unidirecionados. Por meio da meditação, expandimos a nossa consciência na Vastidão e entramos na consciência dela. Porém, na contemplação, nós nos transformamos na própria Vastidão, e a consciência dela passa a ser nossa. Na contemplação, estamos ao mesmo tempo na nossa mais profunda concentração e na nossa meditação mais elevada. Nós nos transformamos e nos tornamos totalmente unos com a verdade que vimos e sentimos na meditação. Quando estamos nos concentrando em Deus, talvez o sintamos bem diante de nós ou ao nosso lado. Ao meditarmos, é certo que sentiremos a Infinidade, a Eternidade e a Imortalidade dentro de nós. Entretanto, quando estamos contemplando, vemos a nós mesmos como Deus, que nós mesmos somos a Infinidade, a Eternidade e a Imortalidade.
Contemplação significa a nossa unicidade consciente com o Absoluto infinito, eterno. Na contemplação, o Criador e a criação, o amante e o Amado, o conhecedor e o conhecido tornam-se um. Num certo momento, somos o amante divino e Deus é o Amado Supremo. No instante seguinte, trocamos de papéis. Na contemplação, nós nos tornamos unos com o Criador e vemos o universo inteiro dentro de nós. Nesse momento, ao olharmos para a nossa própria existência, não vemos um ser humano. Vemos algo como um dínamo de luz, paz e felicidade.
A concentração entrega a mensagem da vigilância. A meditação entrega a mensagem da vastidão. A contemplação entrega a mensagem da inseparável unicidade.
Meditação versus Contemplação
Se meditarmos numa qualidade divina em especial, como a luz, a paz ou a bem-aventurança, ou se meditarmos de maneira abstrata na Infinidade, na Eternidade ou na Imortalidade, durante todo o tempo sentiremos, dentro de nós, um trem expresso indo para frente. Estamos meditando sobre a paz, a luz ou a felicidade, enquanto o trem expresso está em constante movimento. A nossa mente está calma e tranqüila na vastidão da Infinidade, mas existe um movimento. O trem está indo incessantemente em direção à meta. Estamos tendo a visão de uma meta, e a meditação está nos levando até lá.
Na contemplação não é assim. Nela, sentimos o universo inteiro e a Meta mais distante profundamente dentro de nós mesmos. Ao contemplarmos, sentimos que estamos contendo dentro de nós o universo inteiro, com toda a sua luz, paz, felicidade e verdade infinitas. Não há pensamento, nem forma, nem idéia.
Na contemplação, tudo está imerso no rio da consciência. Na nossa contemplação mais elevada, sentimos que não somos nada, mas apenas a própria consciência; formamos uma unidade com o Absoluto. Todavia, quando estamos no nosso estado meditativo mais elevado, existe um movimento dinâmico acontecendo na nossa consciência. Percebemos totalmente o que está ocorrendo tanto no mundo interior como no exterior, mas não somos afetados. Na contemplação também não somos afetados pelo que acontece no mundo interior e no exterior, mas toda a nossa existência transforma-se em parte do universo, que estamos mantendo profundamente em nós mesmos.