Aulas de meditação
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O Zen
Texto de Akrura Bogéa
O que é o Zen?
Segundo o mestre Zen Bhodidharma (? -528 d.C.), Zen é:
Não confiar na palavra escrita;
Uma transmissão especial independente dos textos sagrados;
Voltar-se para a própria mente, ver a natureza e Tornar-se um Budha.
Eu diria que o Zen é.
Certa vez o discípulo de um renomado mestre Zen lhe indagou: mestre, o que acontece no momento em que encontramos o Zen?
Não acontece nada, respondeu o mestre.
O aluno replica:
– Como não acontece nada? Então o senhor não o encontrou?
O mestre Zen responde:
– Não. Eu não o encontrei, o zen já estava comigo quando eu cheguei.
O zen bebe a espiritualidade diretamente na fonte. Pode ser num regato ou riacho que murmura, numa flor que desabrocha, numa gota de orvalho, num pássaro que canta, numa libélula que voa e até mesmo, numa folha de outono á deriva no vento. O zen não costuma se utilizar de intermediários, não se utiliza de escrituras, de oratórias ou pregações…tudo o que acontece aqui e agora é um bom motivo para o Satori, Nirvana ou Iluminação.
O que é Zen?
Essa pergunta me remete para um cohan do livro “Zen em quadrinhos” do Tsai Chih Chung.
Certa vez um peixinho pergunta a um peixe mais velho:
-Tenho ouvido as pessoas falarem sobre o mar. O que é o mar?
-É o que o cerca, respone o peixe mais velho.
-Por que não posso vê-lo?, pergunta o peixinho.
-O mar está em você e ao seu redor. Você nasceu e morrerá no mar que o envolve, como a sua própria pele, concluiu o peixe mais velho.
Vivemos num mar de zen e não o percebemos e nem sabemos o seu significado.
O zen está presente, antes do nosso primeiro suspiro, durante toda a nossa vida e após o nosso último folego, ainda que estejamos distraídos e não tenhamos consciência disso.
Silenciando a mente – um exercício
Zen e meditação
A meditação zen surge e floresce na China e é uma vertente especial, derivada do budismo Mahayana. Aos poucos, a meditação zen foi ampliando suas fronteiras, chegando à Coréia e ao Japão. O curioso é que Zen é uma palavra de origem japonesa e pode significar meditação.
Meditação zen, portanto, é a prática principal da tradição zen. Ao contrário de outras escolas budistas, o zen não valoriza tanto os textos sagrados, o que reflete uma posição clara: A palavra não é capaz de transmitir ou definir o mesmo conhecimento que a iluminação. Para o zen, a palavra escrita só pode transmitir uma pequena parcela da realidade. A meditação zen visa a experiência direta, um beber na fonte e evitar intermediários, indo além de explicações racionais e limites da razão.
Vale lembrar, que a meditação zen admite a ideia de iluminação súbita. Ou seja, a elevação da consciência pode vir de uma ação rotineira ou aparentemente banal, não só ligada a uma prática mais formal de meditação zen. Para a meditação zen, a iluminação habita a existência interior. Portanto não há um método fixo ou dogmático para alguém tornar-se iluminado.
A meditação zen valoriza as atividades manuais, tidas como corriqueiras, que podem ser tomadas como primorosos e edificantes exercícios de meditação zen, desde que sejam praticadas de maneira consciente: jardinagem, arranjos florais (ikebana), cerimônia do chá, arco e flecha, esgrima, as artes marciais (judô, kyudo, kendo, aikidô e karatê-dô, lembrando que o dô significa caminho em japonês ou tao para o chinês), pinturas, principalmente a sumiê e poemas haicais. Tudo isso pode ser um bom motivo para se praticar a meditação zen.
História Zen
Um bodhisattva praticava zazen (uma das técnicas de meditação zen) diariamente e já por muito tempo. Esse praticante não era muito inteligente. Não sabia escrever e muito menos ler os sutras. Mas cada vez que encontrava alguém, não importava quem, ainda que fosse um simples escravo, indistinta e instintivamente, o velho bodhisattva manifestava um respeito solene. Fazia sempre gasho diante de qualquer pessoa (juntava as mãos na altura do rosto) e, às vezes, prosternava-se aos pés dos transeuntes, dizendo: – Eu vos respeito, porque sois um grande Buda.
Um dia, porém, pessoas más não compreenderam as intenções do velho sábio e se zangaram.
– És um idiota ou estás zombando de nós! Não podemos acreditar nas tuas palavras.
Escorraçaram-no a pauladas. O boddhisattva fugiu mas, mesmo correndo, repetia em voz alta:
– Eu vos respeito porque sois grandes boddhisattvas. Devo respeitar-vos! Podeis vir a ser grandes budas. Enquanto corria e gritava, nesse exato momento o velho sábio logrou um grande satori e viveu em êxtase e paz por longos e numerosos anos.
Os preceitos que o sábio nos deixou foram os seguintes: observe-se atentamente, não critique, não julgue, respeite e reverencie o Buda que habita o coração do teu semelhante.
Zazen, uma prática de meditação zen:
Pegue uma folha de papel em branco e faça um pontinho no centro dela. Sente-se numa almofada confortável, prenda a folha de papel numa parede na altura dos seus olhos, a um metro de distância aproximadamente. De olhos abertos ou semicerrados, comece por concentrar-se no ponto a sua frente. Respire, observe os seus pensamentos sem julgá-los e sem se envolver com eles…apenas respire, observe e concentre-se no pontinho a sua frente, no início, por aproximadamente dez minutos ou enquanto você se sentir confortável.
Uma história Zen
por Sri Chinmoy
“It is true that people mock the sincerity of a man who is trying to control himself. At times we see that even the spiritual Masters are ridiculed and mercilessly condemned by society. Even the Master or the great aspirant whose snow-white heart is purity itself, whose life, whose very breath is the flower of purity, falls victim to the criticism of the ignorant world. This reminds me of a Zen story. Perhaps most of you know it. There was a Zen Master who was very pure, very illumined. It happened that near the place where he was living there was a food store, and the owner of the store had a beautiful daughter. As ill-luck would have it, one day she was found with child. Her parents flew into a rage. They wanted to know the name of the father, but the girl would not name the man. After repeated scolding and merciless harassment, she gave up and named this Zen Master as the father of her child. The parents believed her and they went to the Zen Master, scolded him most vehemently and left the child with him. The Zen Master accepted the child and took care of it. All his good reputation came to an end and he became an object of ridicule. In this way days passed into weeks, weeks into months and months into years. But there is something called conscience in our human life. The young girl was tortured by her conscience and finally, one day, she disclosed the name of the real father of her child to her parents. The man who operated the fish market happened to be the father of the child. The parents again flew into a rage.”
Sri Chinmoy, The hunger of darkness and the feast of light, part 2, Agni Press, 1974
Zen e os portões do céu
Na aposentadoria de um famoso general, o imperador o condecorou e o agradeceu, por sua vida de dedicação nos campos de batalha. Ao ficar inativo, o grande general entrou em depressão, preocupado se a sua alma iria para o céu, premiada pelos serviços prestados ao seu país, ou se iria para o inferno, penalizada pelo rastro de sangue derramado, que deixara atrás de si.
O general em questão ouvira falar de um sábio mestre zen, Hakuin, que vivia no alto de uma determinada montanha. Vestiu o seu uniforme de gala, colocou suas medalhas no peito estufado e partiu para o alto da montanha, buscando resposta. Chegando lá, exausto, bateu na porta da casa do mestre. Um discípulo abriu-lhe a porta e perguntou:
– Pois não, posso ajudá-lo?
– Posso falar com o Sr. Hakuin?, disse o general.
-No momento ele está em meditação, mas o senhor pode entrar e esperar por ele. Caso queira, posso lhe preparar um chá enquanto o senhor aguarda, responde o dedicado discípulo.
O general meneou a cabeça, concordando meio que contrariado. O tempo passa e o general vai ficando mais e mais irritado…pensando…quem esse mestre pensa que é? Afinal de contas eu sou um general! Merecia tratamento melhor do que esse chá de cadeira que ele está me dando.
Depois de um longo tempo, um senhor magro, aparentando fragilidade, já com idade avançada, entra sorrindo na sala e senta-se diante do general irritado.
– No que posso servi-lo?, pergunta o mestre, fitando-o nos olhos.
O general abreviou sua história, colocou suas dúvidas por não saber para onde sua alma iria depois da morte… e perguntou ao sábio se ele conhecia o céu e o inferno…
– Os conheço muito bem, disse o sábio.
-Conhece???!!! -assustou-se o general. Fale-me tudo o que o senhor puder sobre ambos…
– Falar ou descrevê-los não posso, mas posso mostrá-los a você, assegurou o mestre, olhando cuidadosamente o pomposo general. Depois de uma breve pausa, o velho sábio retoma o diálogo:
– Senhor, posso lhe perguntar quem foi o tolo que o nomeou general?
– Foi o nosso imperador!, grita o general, vermelho de raiva, por considerar-se insultado, e continua… Por que, algum problema?
– É que você mais se parece com um açogueiro rude, disse o sábio, às gargalhadas. Imediatamente o general levantou-se, puxou de sua espada afiada e disse:
– Vou cortar o seu pescoço, seu atrevido! O mestre diz: – “Eis os portões do inferno!!!, apontando para o general, que imediatamente interrompe o movimento de sua espada, a dois dedos do pescoço do sábio. Recolhe a espada na bainha, respira fundo, se acalma e se ajoelha aos pés do mestre…
– Por favor, perdoe a minha intempestividade e insolência, ó grande sábio!, pediu humildemente o general.
– Eis os portões do céu!!!, sussurrou Hakuin, pondo sua mão direita espalmada na cabeça do velho general, o abençoando…
O céu e o inferno não surgem após a morte. Eles existem aqui e agora. O bem e o mal não passam de um breve instante, de um breve pensamento. Os portões do céu ou do inferno, estão prontos a se abrirem para nós em qualquer tempo ou lugar.
Como dissemos anteriormente, tudo é um bom motivo para conectar-se com o zen. Alan Watts, mestre Zen do ocidente, diz que no zen “não há espaço para um Deus da maneira que o vemos aqui no ocidente, onde o ser humano é um artefato, feito de barro por um oleiro ou ceramista.” Para o zen, todos estão aptos, a revelar quem realmente são, no momento em que se permitirem entrar no fluxo da vida e ser. Viver é estar presente, sendo o agente ativo e passivo, observador dos acontecimentos e experiências que se sucedem. Ter clareza de que uma simples gota de chuva, contém em sua memória a vastidão oceanica, de que cada célula traz em si a memória do vasto universo.
Zen e o Despertar
Huineng, conhecido como o sexto patriarca da tradição zen (638-713), quando chegou ao mosteiro do seu mestre, este percebera que Huineng era tão rude, que o designou para tarefeiro na cozinha, preparando legumes e verduras para o cozimento, bem como a responsabilidade de lavar a louça. Huineng não frequentava a sala de leitura das escrituras sagradas, nem sequer participava do grupo de meditações. O seu mestre, já com idade avançada, resolveu que era chegado o momento de buscar dentre os discípulos, o seu sucessor, que receberia sua túnica e uma gamela. Todos os monges foram convidados a demonstrar a sua sabedoria da forma que quizessem ou que escolhessem, para determinar o seu valor pessoal. O favorito para a sucessão era o superior do convento, uma espécie de administrador, poeta e douto nas escrituras sagradas. Nenhum membro tinha dúvidas quanto a isso. O monge Shenxiu era o favorito! Ele demonstrou sua sabedoria na ocasião, através de um poema escrito na parede de um corredor do templo:
O corpo é a árvore do despertar;
A mente, um espelho claro.
Devemos sempre nos empenhar em dar-lhe um polimento,
E nunca deixar a sujeira se acumular.
O poema representa de maneira refinada, a vida monástica. O papel do monge é empenhar-se em múltiplas práticas, mas, especialmente meditar, para limpar, purificar e libertar a mente, que costuma distorcer nossa visão da realidade.
Os outros monges ficaram muito impressionados com o poema e trataram de decorá-lo para recitar enquanto cumpriam com as obrigações monásticas. Agora, ninguém tinha mais dúvidas de que Shenxiu, o superior, seria o escolhido. Ouvindo por acaso aquele poema, Huineng compôs uma resposta poética e pediu a um monge letrado, que a escrevesse para ele na parede do mesmo corredor:
Em princípio o Despertar não tem árvore,
O espelho não tem opinião.
A natureza de Budha é sempre clara e pura,
Onde há lugar para a sujeira?
O poema de Huineng, deixou a todos impressionados e questionando inclusive a vida de reclusão, leituras e meditações no monastério, já que Huineng não participava dessas atividades. O mestre passou a túnica e a gamela para Huineng, num clima de grande discrição, para não provocar inveja nos demais. Sem entrar no labirinto do conceito de vazio, subentendemos que para cada vazio há um cheio. Portanto, resvalamos ou caímos nos abismos da dualidade. Sabedoria e ignorância, sagrado e profano, mundano e divino e assim por diante, não passam de dualidades egóicas e mentais. A sabedoria é nata em todos os seres e eles só precisam despertar. (Bud em sânscrito, de onde se origina Budha, significa, aquele que está desperto).
O poema de Huineng nos remete para esse despertar unificante, onde os opostos se tornam Um.
Aprendendo o Zen
Conta-se que um discípulo de Huineng chamado Shitou Xiquan, fez uma viagem a um outro monastério. Chegando lá, o Mestre do templo lhe indaga:
– De onde você é?
– Venho de Caoxi, templo do sexto patriarca. -responde Xiquan prontamente.
– E o que você ganhou em Caoxi? -pergunta-lhe o velho mestre.
– Não ganhei nada, já que nada me faltava quando fui para lá… -responde Xiquan.
– Então por que foi para lá? -quis saber o mestre.
– Se não tivesse ido para lá, como saberia que nada me faltava? -completou Xiquan.
Imediatamente o mestre acomodou Xiquan num dos aposentos do seu templo, certo de que estava diante de um monge desperto.
O mestre na tradição Zen, procura sempre que possível dar explicações simples, tentando não reforçar o hábito de buscar a sabedoria fora de si. Os mestres revelam a mente de Budha em seus próprios comportamentos, em benefício de seus discípulos. Zelam por fazer o buscador voltar-se para a sua própria mente. O papel do mestre não se restringe apenas a transmitir conhecimento aos discípulos, mas principalmente dirigi-los para o único lugar em que eles podem encontrar a sabedoria, isto é, para as suas próprias mentes. Podemos então dizer que o zen é uma espécie de anedota dita pelo mestre, de uma forma especial, para o despertar do buscador. O importante não é o que é dito, mas como é dito, cujo objetivo é fazer o discípulo voltar-se para a sua própria mente e despertar.